o gato solitário na calçada
dono da sua liberdade
Queria fugir
fugir de tudo.
Dos meus amigos, da minha família
dessa minha vida
fugir de tudo que me cercava
escapar dessa realidade.
E do nada, acabou
não tinha mais nada do que eu precisasse fugir
eu já havia me desvencilhado de tudo.
Não consigo dizer se isso é bom ou ruim
não ter mais nada para fugir é não saber para onde quer ir
a força motriz que me movia já não mais existe
agora apenas contemplo as coisas de uma longa distância.
Quando me lembro de dois anos atrás
penso
meus problemas não me angustiam mais
como dois anos atrás.
Também não amo mais
não me divirto mais
uma mesma leitura não me deixa mais
tão empolgado
estes meus olhos não enxergam mais
a mesma vida de dois anos atrás.
Apesar de me sentir perdido às vezes
às vezes também me sinto como
a pessoa mais livre do mundo
sem nenhuma amarra aqui
nessa vida
nesse mundo
eu sou como um
gato na calçada
nada mais me completa.
Eu costumava ser diferente
afetuoso, carinhoso
amava meus donos
agora sinto que não consigo ficar parado
sinto que me esforço para não pertencer a lugar nenhum
porque inconscientemente já me convenci
de que nenhum lugar me cabe.
E que todos os meus lares passados
foram pérolas únicas
nunca mais acharei lugares como aqueles.
Pulando de casa em casa, família em família
dono em dono
eu procuro esse prazer na busca.
Dizem que é preciso ser egoísta o suficiente para ser feliz
concordo
mas tenho medo de acordar um dia
e me descobrir egoísta demais.
Egoísta demais pra mim.
Às vezes eu acho que o gato na calçada
não sabe o que está fazendo
ainda assim, todos o amam
todos são carinhosos
Ele parece perdido, bem perdido
ainda assim, consigo amar ele
chega a ser irônico
porque gatos na calçada
estão sempre solitários.
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